Edson Miranda de Souza*
Temos visto recentemente movimentos com grande repercussão mundial e que deixam muitos atônitos, sem entender como chegamos a estas situações. Nos EUA os eleitores elegeram o candidato republicano Donald Trump, que propõe uma agenda voltada a resgatar o século XX. No Reino Unido um referendo aprovou a sua saída da União Europeia, o chamado Brexit.
Ambos acontecimentos podem ter uma origem comum, os efeitos das mudanças na economia nos últimos anos, onde o mundo analógico foi substituído pelo mundo digital. Agora, trabalhadores analógicos, sentindo-se perdidos e tratados com indiferença pelo mercado, uniram-se para apresentar propostas extravagantes para seus respectivos países e regiões.
No Reino Unido as autoridades agiram com displicência, não acreditando que proposta tão estapafúrdia pudesse vencer. Agora, perplexos e constrangidos, podem tentar impedir que o projeto avance. A própria Primeira Ministra May foi contra o Brexit e agora se vê no papel de conduzir o processo isolacionista.
O que podemos observar (veja quadro) é um crescimento da contribuição da área de serviços na composição do PIB de praticamente todos os países de economia relevante e emergente. Tomando espaço da indústria, o setor de serviços, que engloba entre outros segmentos serviços financeiros e tecnologia, requer profissionais com perfil diferente daquele da indústria tradicional. Podemos dizer que são os trabalhadores digitais, com habilidades e competências que o século XXI veio moldar, tornando obsoleta uma massa de profissionais que, por diversas razões, foram excluídos da nova economia.
As economias mais maduras e fortes contam com mais de 70% de sua geração de riqueza suportada pelos serviços. O Reino Unido, terra do Brexit, já caminha para 80%, o que pode ajudar a explicar esta revolta isolacionista.
Na verdade, o que temos é o setor de serviços com crescente importância no contexto geral das economias, uma vez que tem agregado mais valor ao longo do tempo que seus concorrentes diretos, a agricultura e a manufatura. Não se trata, evidentemente, do fim da indústria, mas de modos diferentes de produção. Processos são redesenhados e componentes tecnológicos incorporados a estes processos. Robôs e Inteligência artificial já saltaram dos filmes de ficção para o chão de fábrica. Engenhos mecatrônicos planejam e executam a produção, controlam a qualidade e reduzem desperdícios.
As maravilhas do século XX, daqui para a frente, somente poderão ser apreciadas nas produções de época de Hollywood. A realidade é que já vivemos no segundo decênio do século XXI onde as palavras de ordem são economia colaborativa, cadeias globais de suprimento e aplicações práticas de inteligência artificial.
Como a economia global pune severamente os isolacionistas, muito em breve os eleitores de West Virginia e do Wyoming, que votaram em massa no republicano Trump, poderão ter surpresas desagradáveis, ao constatar não ser possível esta caminhada rumo ao passado, não é possível resgatar imediatamente os empregos dos trabalhadores analógicos, period.
A continuar nesta proposta de voltar ao passado, sem conseguir adivinhar o presente e, ainda por cima, insistindo em cutucar chinês com vara curta – capitais chineses são os maiores financiadores da dívida externa americana – Mr. Trump poderá ver abreviado seu expediente na Casa Branca.
Principalmente nos últimos cinco anos, a China tem reduzido sua exposição em títulos da dívida americana e investido fortemente na Europa. Estima-se que em 2015 estes investimentos diretos, principalmente efetuados por estatais chinesas, somaram algo como 20 bilhões de euros, crescimento de 44% em relação ao ano anterior. [1]
Portanto, não deve ser afastada a hipótese que uma eventual guerra comercial com os EUA possa afastar mais ainda os capitais chineses, que poderiam migrar ainda com mais força para a Europa.
Algumas reflexões sobre o caso brasileiro
Ao que tudo indica, parece inexorável a ascensão da área de serviços na economia global. Evidentemente esta realidade requer que países alinhem suas diretrizes estratégicas, objetivando prover seus cidadãos com o conhecimento necessário para sobreviver na economia digital, contemporânea, inovadora e empreendedora. Ops! Estratégia? O que dizer então de nações que não possuem estratégia para nada, a começar pela educação. Por exemplo, o Brasil, onde os resultados das avaliações internacionais de aprendizagem humilham nossas crianças e adolescentes, onde temos milhões de analfabetos funcionais. Analfabetos funcionais, diga-se, ainda no âmbito da economia analógica!
Esta agenda crucial, ao que parece, não foi ainda assumida pelos governantes. A realidade é que temos demandas urgentes e paralelas, sendo necessário não somente construir o futuro, mas também tentar salvar o maior número possível de almas desgarradas dos processos de geração de riqueza. É como consertar avião em pleno voo e, quanto mais o tempo passa, maior se torna o desafio.
Nações desenvolvidas, como EUA e Reino Unido, ao que parece, foram surpreendidas pela revolta do mundo analógico, mesmo possuindo níveis educacionais superiores. No caso do Brasil, como dito, nossa agenda é dupla, nossa tarefa é gigantesca, mas não podemos desanimar. A economia global pune os isolacionistas, mas, pune também, com maior rigor os infiéis, aqueles que nela não acreditam, que a desdenhem por ignorância ou omissão.
* Mestre em Administração é diretor da Aprumar Consultoria.
[1] A new record year for Chinese outbound investment in Europe. Mercator Institute for China Studies, Rhodium Group, LLC, fevereiro de 2016.
Crédito da imagem: Freepik
E se as pessoas são analógicas ou despreparadas no Brasil, e outros países, imagine os impactos que suas limitações têm em suas corporações? Ainda veremos modelos de negócios serem extintos ou se tornarem nichos insignificantes. Há como resistir por meio de regulamentações, barreiras, etc, velhos conhecidos, mas até quando?
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Excelente artigo Edson!
Realmente, o risco das economias Americana e Europeias iniciarem um processo de fechamento parece ser real e iminente. Da mesma forma que a globalização mudou a economia mundial da “noite para o dia”, este possível novo fechamento será também um divisor de águas. Não se sabe se para pior ou para melhor.
Sabe-se apenas que a economia vai mudar! Não sabemos qual será o nível de “fechamento” mas ele virá. E a economia mundial, certamente, vai buscar um novo ponto de equilíbrio, queira-se ou não.
De todas as nações, a que melhor se aproveitou da globalização foi a China, com um crescimento monstruoso e uma centralização da indústria mundial em seu território, em detrimento das economias locais. Todos os países do mundo, e não apenas o Brasil, perderam industrias e mercado para os chineses. Que o digam as indústrias têxteis, autopeças, automotiva e siderúrgicas brasileiras, entre muitas outras.
Talvez este tenha sido o grande problema da globalização: o sucesso “descontrolado” Chinês desequilibrou a economia mundial. Quem poderia imaginar que o PIB da China ultrapassaria o Alemão e o Japonês e viria a rivalizar com o Americano em tão pouco tempo?
E outros países estão, de certa forma, repetindo esta estratégia chinesa, como é o caso do México e dos demais países asiáticos.
Porém, o problema maior que virá agora será o fato de que, com os grandes mercados se fechando (leia-se países de primeiro mundo) , os chineses certamente vão procurar novos mercados para despejar seus produtos. E aí, pobres de nós brasileiros. Vamos ter concorrência acirrada para nossos produtos industrializados, tanto dentro de nossos mercados tradicionais (Mercosul, Países Andinos e Europa), quanto, principalmente, no nosso mercado interno.
Felizmente, conforme você apontou, Edson, temos uma saída para o nosso Brasil: a prestação de serviços em áreas que exijam altos níveis de conhecimento e tecnologia agregados. E isto depende apenas de nós: Mãos (e cérebros) à Obra, já!
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